Maria, Mãe de Deus
À Mãe de Deus pode aplicar-se o que Espírito Santo diz em Provérbios (8,29): “quando fixava ao mar os seus limites”, pois Maria devia conceber em seu seio e conter o Verbo de Deus, que é mar e abismo da sabedoria, do poder, das virtudes e da bondade.
Nesta perspectiva, Maria deve ser chamada Senhora daquele marque, embora imenso, pôde ser abrigado em seu seio imaculado? Com efeito, a Virgem Mãe de Deus tinha direito à autoridade materna sobre Cristo, como o têm todas as mães sobre os filhos que geraram. E autoridade materna mais do que outras mães, pois dela se pode dizer que foi muito mais mãe de Cristo do que as outras mães em relação a seus filhos. Na verdade, Cristo nasceu unicamente de sua mãe. Por isso, a bem-aventurada Virgem devia ter mais autoridade sobre Cristo do que as outras mães sobre seus filhos. O próprio Cristo não se importa em ser colocado sob sua autoridade: “era obediente a eles”, diz o Evangelho (Lc 2,51).
Deus, a quem os anjos estão sujeitos, era, pois, submisso a Maria. Admirem-se, portanto, um e outro aspecto – exorta São Bernardo –, escolhendo entre qual dos dois admirar mais: a benigníssima condescendência do Filho ou a excelentíssima dignidade da Mãe. Tanto um como outro são algo estupendo e prodigioso. Deus obedecendo a uma mulher é humildade ímpar. Uma mulher tendo autoridade sobre Deus é sublimidade de impossível comparação.
Se, portanto, Maria teve poder sobre a pessoa de seu Filho, se pôde dispor com facilidade e certeza do coração do Rei, que é, ao mesmo tempo, soberano e filho, como é que não vai também poder ser senhora e rainha de todos os tesouros divinos, do mar imenso de graças e misericórdia?
Maria, Rainha do Céu e da Terra
Por ser mãe do Rei, constituído por Deus sobre todas as obras de suas mãos, é evidente que também Maria fosse constituída Rainha, possuindo, com direito, todo o reino do Filho. Como não possuir o reino do Filho aquela que possui inteiramente o próprio Filho?
Antes de tudo, Maria é Rainha dos anjos – como canta a Igreja –por causa de sua excelência e dignidade, por eminência de graça e virtudes, por título de autoridade real. Isso se comprova mediante a reverência que lhe manifestam os próprios anjos. Tal reverência está
clara, por exemplo, no fato de o Arcanjo Gabriel saudá-la com profunda veneração e respeito.
A realeza de Maria, porém, se estende também sobre a terra, ou seja, sobre todos os seres humanos. A mãe não pode estar, de modo algum, separada do poder real do Filho. Única é a carne de Maria e de Cristo, único o espírito e única a caridade. Desde o momento em que foi dito “o Senhor está contigo” (Lc 1,28), se tornaram inseparáveis promessa e dom. Portanto, pode-se concluir que a glória do Filho não somente é comum com a Mãe, mas é também a mesma.
Que ampla perspectiva se abre, então, para a consideração do amor de Maria por nós e de sua vontade de salvar nossas almas! Não há necessidade de fazer tantos raciocínios. Estamos diante de um campo aberto a todos e facilmente transitável. Entremos nele com nossas reflexões pessoais para descobrir sua amplitude, gozar de sua amenidade e alimentarmos de os seus preciosos e salutares frutos.
O que custa a Maria pedir, o que custa a Jesus conceder-nos qualquer espécie de graça?
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A Imaculada
A limpidez fúlgida da santidade de Maria jamais foi ofuscada, nem mesmo por sombra de pecado. Seu espírito, sempre arrebatado em Deus, não era impedido ou obscurecido por qualquer objeto terreno. Maria é a única da qual se pode dizer que é toda bela e sem mancha aos olhos de Deus: “és toda formosa e não há mancha em ti” (Ct 4,7). Não só deixou de experimentar movimentos desregrados da natureza desordenada, mas até a própria desordem da natureza foi-lhe extirpada completamente. Aliás, não é correto afirmar que “foi-lhe extirpada”, pois, em sua Imaculada Conceição, a graça precedeu à fraqueza comum da natureza. Em seu corpo, jamais houve lugar para o pecado. Quem poderá, portanto, dimensionar, com as costumeiras e escassas medidas dos critérios humanos, a excelência da pureza da gloriosa Mãe de Deus?
Ó Deus! Que grau incomparável de sobre-humana pureza não exigia de Maria sua maternidade divina! Pureza superior à dos próprios anjos. Do mesmo modo que, pela dignidade de Mãe de Deus, Maria foi exaltada acima dos anjos, assim também sua pureza tinha que superar, em medida incomparável, a dos espíritos puríssimos.
Vinde, portanto, todos os que desejamos tornar-nos afeiçoados devotos de Maria e imitadores de sua pureza e nos assentemos à sombra agradabilíssima desta Árvore do Paraíso, pois seus frutos serão imensamente doces a nosso paladar. Ela estende benevolamente os ramos de sua proteção sobre todos os seus servos, mesmo os que não têm mérito algum. Por isso, quem, no deserto árido deste mundo, sentir-se açoitado pelos ardores tórridos
da concupiscência procure abrigo à sombra desta Árvore benéfica e aí encontrará refrigério, repouso e saúde para seu exangue e desnorteado coração.
Cristo nos Espera, Maria nos Chama
A celebração da Casa santa de Maria, que está de maneira permanente entre nós, em Loreto, é como um doce convite a nosso coração para que se desloque velozmente, com o intuito de visitar, em espírito, suas paredes sagradas. Ó paredes benditas, mais esplêndidas do que os palácios dos soberanos, vós acolhestes a Rainha dos céus, a Esposa do Espírito Santo. Vós sois testemunhas da mensagem do anjo e, mais do que isso, testemunhas do augusto mistério da Encarnação!
Sinto que, nesta oportunidade, Deus nos inspira de modo especial. Deseja o nosso coração, porque como faz com a Casa de Loreto, assim também anseia consagrar nosso coração, tornando-o um templo onde Ele mesmo possa residir. “Acaso não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16), exclama São Paulo.
Que consolação poder contemplar nossa alma como um templo magnífico, conversar com Deus com paz de consciência, encontrar, dentro de nós, toda consolação e doce alegria, em vista dos bens presentes, juntamente com a esperança do futuro! E nós vamos nos atrasar, por um só minuto, para usufruir de tanta felicidade? Cristo nos espera, Maria nos chama, pois ela anseia abrir nosso coração para seu Filho.
Virgem Santa, eis-nos a teus pés. A ti se voltam todos os nossos olhares, nossa confiança e nossas súplicas. Transformaste nosso coração em templo de teu Filho. Por isso, confiamos que, tendo acolhido no coração, como hóspede, nosso Rei, Ele nos dará um lugar em seu reino.
A Virgem da Anunciação
Contemplemos a bem-aventurada Virgem, junto com o anjo que a saúda. Que honra! Nosso Deus quis nascer de uma mulher e assumir nossa carne! Congratulamo-nos com Maria, a fonte de todos os nossos bens. Somente ela teve o privilégio de ser preservada do pecado original. Somente ela foi olhada complacentemente por Deus. E que complacência com Maria!
A Virgem e o anjo, na casinha de Nazaré, conversam sobre o mistério da Encarnação: “eis aqui a serva do Senhor” (Lc 1,38). A humildade é a condição que Deus exige dos que escolheu para realizar grandes coisas, para seu próprio bem e para o bem dos outros.
Reflitamos agora sobre como a Virgem agradece a Deus, com sublime espírito de fé e humildade, depois que o anjo cumpriu sua missão. Assim também cada fiel e, muito mais, cada sacerdote devem se comportar com Deus, depois de havê-lo recebido na Eucaristia: com o mesmo espírito de fé e humildade, com o mais íntimo recolhimento possível. Estamos cobertos de graças por Deus como a Virgem!
Programa Prático de Devoção Mariana
Depois de Deus, a Virgem Maria deve ter o primeiro lugar em teu coração. Jamais deverás perdê-la de vista, custe o que custar, procurando, cada dia, inflamar-te intensamente desta devoção.
Recitarás, cada dia, o terço de Nossa Senhora. Em qualquer necessidade, pequena ou grande, invocarás seu poderoso auxílio. Celebrarás suas solenidades com novenas, nas quais, preferivelmente, farás alguma devota meditação relativa ao mistério, bem como algum afetuoso colóquio, em lugar de simples orações vocais.
Santo Inácio de Loyola jamais começava alguma atividade se, antes, não a confiasse a Nossa Senhora, como também jamais pedia alguma coisa a Deus se, antes, não o fizesse por intermédio de Maria. Carregava sua medalhinha ao pescoço e costumava ter consigo, à cama, o terço de Nossa Senhora, para dormir com o pensamento nela, e nela tornar a pensar quando acordasse.
Espírito de Total Confiança em Maria
Bom dia, minha Mãe. Dai-me a vossa bênção. Abençoai a mim e a todos os meus queridos. Dignai-vos oferecer a Deus tudo o que hoje tenho de fazer e sofrer, em união com os vossos méritos e com os do vosso Filho santíssimo. Ofereço-vos e vos dedico todo o meu ser e tudo que me pertence para o vosso serviço. Ponho-me inteiramente debaixo do vosso manto. Impetrai-me, Senhora minha, pureza de mente e de corpo, com a graça de não fazer neste dia coisa alguma que possa desagradar a Deus. Suplico tudo isto pela vossa Imaculada Conceição e intacta virgindade.
Santíssima Virgem, Mãe de Deus, Maria, eu, embora indigno de ser vosso servo, movido, não obstante, pela vossa admirável piedade e pelo desejo de vos servir, escolho-vos hoje por minha particular Senhora, advogada e mãe. Proponho-me firmemente a querer sempre vos servir e fazer tudo o que for possível para que sejais, também, servida por outros. Suplico-vos, pois, Mãe piedosíssima, que me recebais hoje em perpétua servidão. Peço vos ainda que me sejais sempre favorável, impetrando-me a graça de me comportar de tal modo em todos os meus pensamentos, minhas palavras e obras, que jamais
ofenda vossos olhos e os de vosso divino Filho. Lembrai-vos de mim e não me abandoneis na hora da morte.
Um Segredo de Eficácia Pastoral
Apresentou-se, um dia, a Pe. Gaspar um jovem pároco, deprimido pelo fato de, como já tinha acontecido com seus predecessores, o povo da paróquia mostrar-se totalmente indiferente e até mesmo hostil em relação ao sacerdote, desertando da igreja em massa. Já havia perdido as esperanças e estava pensando em retirar-se da paróquia. Diante disso, observa, com entusiasmo, Pe. Gaspar:
Mas existe ainda a esperança na Mãe da santa esperança, Maria. Introduza o Oratório Mariano, convide e atraia os jovens, incentivando-os e abraçando-os com o amor de pai. No início virão poucos, mas sua dedicação e zelo incansável farão aumentar o número a cada dia. Proponha insistentemente a eles a devoção a Maria, coloque-os sob o seu patrocínio e confie. Contudo, confie firmemente, pois, começando a ser o pastor dos filhos, logo, em seguida, virão também seus pais, para ouvi-lo e reconhecê-lo como pastor e pai.
De fato, tudo aconteceu como Pe. Gaspar havia previsto. Entregou-se o pároco ao trabalho com os jovens no Oratório Mariano, conforme as sugestões recebidas. Não passou muito tempo e também os pais começaram a deixar de lado as hostilidades e a indiferença, dando-se conta de que o pároco não podia ser apenas pastor de seus filhos, mas deles também. Estabeleceu-se, com isso, um relacionamento tão familiar entre o pároco e seu povo, que se poderia considerá-lo bastante promissor.
O pároco foi conversar com Pe. Gaspar e referiu-lhe o bom êxito alcançado pelo conselho recebido. O santo atribuiu tudo a Deus, cumprimentando-o efusivamente, porque, graças à proteção de Maria, foram derramadas tantas bênçãos sobre a paróquia e seu pastor.
Excelência do Rosário
Eu não conheço outra prática de piedade que possa ostentar características mais nobres de excelência do que a recitação do rosário, desde quando este teve início. A própria Rainha do céu a propõe e a prescreve. Foi promovida e propagada como um dos recursos mais valiosos para a vida da
Igreja: arma de defesa contra heresias e o mal, socorro nas necessidades mais urgentes e sustento nas angústias mais sufocantes.
A excelência intrínseca dessa oração está na perfeição das partes que a compõem, bem como na repercussão da proposta prática que a envolve.
Quanto às partes, consta o rosário de quinze dezenas de Ave-Marias, separadas pelo Pai Nosso, que se entremeia a elas, além da recordação, com devota reflexão, de igual número de mistérios de nossa redenção, precedendo cada dezena. Ora, que oração é mais excelente do que a do Pai. Nosso e, depois desta, qual a mais nobre do que a Ave-Maria? Quanto aos mistérios referentes à vida, morte e ressurreição de Cristo, constituem certamente o objeto mais elevado a ser meditado. Além disso, pode haver algo mais santo e sublime do que a finalidade fundamental, a imitação dos mistérios propostos? E tudo isto pela mediação de Maria que, depois daquela de Cristo, é, na verdade, a mais convincente e eficaz.
Quanto à proposta prática, imensos são o seu valor e as várias dimensões da recitação. Nela está presente tanto a linguagem para louvar quanto a mente para meditar e o coração para amar. E tudo pode ser feito com extrema simplicidade.
O Poder do Rosário
A devoção do Rosário trouxe enormes vantagens à Igreja, obtidas com incrível presteza, pois, graças a elas, o povo cristão foi colocado em segurança, mediante preciosa, perpétua e universal proteção contra inimigos poderosos e seus constantes ataques.
No século XII, os albigenses tinham propalado um movimento anticatólico, que se apresentava como compêndio de todas as heresias. Negava-se o batismo às crianças, abolia-se a eucaristia, escarnecia-se da penitência, cancelava-se a esperança na futura ressurreição e destruía-se a fé no Deus único, criador do universo. Derrubaram-se igrejas, demoliram-se altares e os sacerdotes foram torturados e condenados à morte.
A quem recorrer para socorro e consolação em semelhantes apuros? À Maria, que é o mais forte reduto do povo cristão nas adversidades e de quem a Liturgia canta com singular elogio: “Maria, tu sozinha derrotaste todas as heresias do mundo inteiro!”. O socorro não demorou a vir. Pessoalmente, a Rainha do céu o traz, aparecendo a São Domingos de Gusmão e confiando-lhe esta missão: vá e propague o Rosário. Saiba que esta forma de oração será agradabilíssima a mim e a meu Filho e tornar-se-á grande e singular auxílio para a Igreja. Os resultados foram prodigiosos e confirmaram a eficácia salutar de uma devoção que se revelou excelentíssima.
No ano de 1571, os turcos tinham organizado uma expedição com a finalidade de exterminar as forças armadas dos países cristãos e de garantir-lhe o domínio dos mares. As frotas oponentes encontraram-se frente a frente, em Lepanto, no domingo, 7 de outubro. Era o dia em que toda a cristandade recitava o Rosário de Maria, com devotas e solenes súplicas, invocando sua ajuda.
A ajuda aconteceu, de imediato, grandiosa e evidente. De acordo com a história, jamais houve uma vitória na qual se comprovou tão claramente a poderosa mão de Deus. São Pio V ordenou, então, que em todos os anos, no primeiro domingo de outubro, fosse celebrada a comemoração de Nossa Senhora da Vitória. Gregório XIII, declarando que aquela vitória fora obtida graças à recitação do Rosário, determinou que, naquele dia, Maria fosse venerada com o título de Nossa Senhora do Rosário.
Fecundidade do Rosário
Eis, no Rosário, uma excelente prática de piedade, a mais nobre quanto à origem, a mais perfeita quanto à sua natureza e a mais amplamente reconhecida pela força dos testemunhos e confirmações de prodígios. Eis a excelência sublime de rosas místicas que se entrelaçam como esplêndida coroa da Virgem. São rosas transplantadas dos jardins do céu para o campo fértil da Igreja.
De fato, Maria é chamada Rosa Mística. É rosa mística que alegra os justos, cura os pecadores, atrai os principiantes, embeleza os fiéis praticantes, coroa os perfeitos, expande sua doce sombra sobre as tribulações, torna-se valiosa proteção contra as tentações. Nasce tanto nos jardins bem cultivados dos poderosos, como nas simples hortas dos pobres, atrai a juventude e não ofende a velhice, reativa os ociosos e não atrapalha os ocupados, reconforta os fervorosos e não aborrece os tíbios.
Plantemos todos, então, as flores do Rosário, irrigando-as, nutrindo-as e tornando-as conhecidas. Nossos filhos e filhas se enfeitem com elas para defender a fé e manter as virtudes. Sua fragrância venha perfumar nossas casas. Com estas flores, se enfeitem as igrejas, os altares dos Santos e os túmulos dos fiéis. Com estas flores entrelacemos uma grinalda ao redor do trono augusto de nossa Mãe e Rainha.
O Rosário: uma lição de vida
O Rosário é uma oração adequada para todos os cristãos. Nela, ospecadores encontram um meio eficaz para a conversão e os justos, um
substancial alimento para sua vida de piedade. Aqueles têm, na meditação da vida e morte de Cristo, um poderoso antídoto contra os ataques da carne e dos sentidos. Estes têm, na contemplação da glória de Cristo, um doce convite para aspirar à posse da eterna bem-aventurança.
Causou-me profunda impressão – confidenciava Pe. Gaspar a Pe. Lenotti, a propósito do segundo mistério gozoso – o que fez Maria com Isabel. Apenas avisada, pelo anjo, da gravidez da prima, partiu imediatamente; preocupou-se em ir visitá-la e assisti-la nas dificuldades de seu estado. Partiu logo, às pressas, como diz o evangelista (Lc 1,39), porque a premência em ajudá-la e a caridade em permanecer junto dela eram imensas, embora a viagem fosse bastante longa e perigosa. E, quando lá chegou, ficou não um dia, dois ou três, mas três meses contínuos, assistindo-a em suas necessidades.
Uma vez, atesta Pe. Francisco Benciolini, indo Pe. Gaspar visitar um irmão enfermo, sugeriu-lhe, para que não se cansasse, rezar a Ave-Maria, nela meditando, como também faço, disse. Quando não consigo dormir, rezo o terço, meditando nas palavras da Ave-Maria, empregando uma hora ou mais em cada uma; o mesmo faço com o Pai Nosso; assim, passo minhas noites.
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